Viviane Camara Strachicini
Graduada em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestranda em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Advogada.
1. Resumo
Em acórdão publicado em 22/04/2019, a terceira seção do CARF decidiu, sob relatoria do Conselheiro Tiago Guerra Machado, pela não incidência de Contribuição ao PIS/Pasep e Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (PIS/COFINS) sobre as receitas de Juros sobre Capital Próprio (JCP) de instituição financeira, empresa que não possui como atividade típica o investimento em outras sociedades.
O Conselheiro Relator entendeu que as receitas de JCPs não poderiam ser tributadas porque o STF, em sua jurisprudência, já decidiu ter sido inconstitucional a previsão legislativa da Lei 9.718/1998, que equiparou faturamento à receita bruta e a definiu como independente da atividade exercida pela pessoa jurídica e a classificação contábil adotada para as receitas. Destacou, ainda, que o Conselho Superior do CARF já afirmou a necessidade de que, para serem tributadas pelo PIS/COFINS, as receitas sejam operacionais e vinculadas à atividade-fim da pessoa jurídica.
Também declarou seu voto pela não incidência de JCP na hipótese o Conelheiro Leonardo Ogassawara de Araújo Branco, mas sobre fundamentos bastante distintos. Em sua visão, no período em que ocorreram os fatos – anterior à edição da EC 20/1998 e da MP 627/2013 – convertida na Lei 12.973/2014 – a discussão a respeito da realização de atividades típicas da pessoa jurídica era descabida. Vigorava, à época, conceito de faturamento correspondente à venda de mercadorias e serviços. Como as receitas de JCP não correspondem a nenhum deles, a seu ver, não poderiam ser tributadas.
2. O caso analisado e a decisão recorrida da DRJ
Trata-se de Recurso Voluntário interposto por instituição financeira contra acórdão proferido pela 5ª Turma da DRJ/POR, que entendeu pela incidência de PIS/COFINS sobre JCP, negando pedido de compensação de valores pagos a esse título pela Empresa. Na ocasião, a Delegacia de Julgamento entendeu que as receitas de JCP seriam decorrentes do desenvolvimento de atividades típicas de instituições financeiras:
“PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. A declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/1998 não alcança as receitas típicas das instituições financeiras. As receitas oriundas da atividade operacional (receitas financeiras) compõem o faturamento das instituições financeiras e há incidência das contribuições ao PIS e Cofins sobre este tipo de receita, pois elas são decorrentes do exercício de suas atividades empresariais. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. Os juros sobre o capital próprio auferidos pela sociedade empresarial decorrentes da participação no patrimônio líquido de outras sociedades constituem receita de natureza financeira, própria da entidade, distinguindose do interesse dos seus sócios.” (Acórdão 14-1-61.490, 5ª Turma da DRJ/POR, julgado em 27/06/2016).
No entendimento da Delegacia, seria possível enquadrar as receitas de JCPs como receitas financeiras, próprias do desenvolvimento de atividades usuais de instituições financeiras. O acórdão de DRJ concluiu, após análise da definição de receitas operacionais das instituições financeiras, constantes do Plano de Conta COSIF - instituído pela Circular do BCB nº 1.273/1987 [1] - essas receitas decorrem de captação, movimentação e aplicação de ativos que proporcionam ganho pecuniário aos clientes das instituições financeiros, constituindo, por isso, receitas próprias dessas instituições.
O julgado destacou a jurisprudência do STF[2] que considerou inconstitucional o revogado art. 3º, § 1º da Lei 9.718/1998[3], que previa incidência das contribuições sobre a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
Como se vê, a discussão levada ao CARF na apresentação de Recurso Voluntário contra decisão da DRJ não parecia relacionada, naquele momento, com a possibilidade de se tributar receitas não típicas por meio de PIS/COFINS, mas sim com a circunstância de a receita de JCP poder ser considerada receita financeira e, assim, ser considerada como decorrente de atividade própria de instituição financeira.
3. Os fundamentos do voto vencedor
O relator do caso delimitou o tema como relacionado à aplicação da declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/1998 pelo STF. Em seu voto, destacou que na ocasião do julgamento do RE 585.235, o STF firmou, com Repercussão Geral, que para fins de incidência das contribuições sociais, o faturamento seria o resultado das atividades típicas, quis sejam, aquelas decorram do objeto social do contribuinte.
Tomou como premissa, então, que em razão do entendimento do STF firmado, não seria possível que houvesse incidência de PIS/COFINS sobre atividades não típicas da pessoa jurídica.
A decisão afirma que o objeto social da instituição financeira – recorrente – constituiria em “efetuar operações bancárias em geral, inclusive de câmbio”. Seria, então, sobre as receitas decorrentes dessa atividade, o âmbito de incidência das contribuições.
A remuneração de JCP, por se tratar de receita decorrente de participações societárias em outras pessoas jurídicas, não teria como causa o desenvolvimento de uma atividade típica e habitual de instituições financeiras, razão pela qual sobre ela não poderiam incidir tais contribuições.
4. O voto declarado
O Conselheiro Leonardo Ogassawara de Araújo Branco, declarou voto que também entendeu pela não incidência de PIS/COFINS no caso, porém sobre fundamentos distintos. Destacou que a discussão já havia sido enfrentada pelo CARF, inclusive por sua Câmara Superior, que no acórdão CSRF nº 9303-002.934, a incidência de PIS/COFINS sobre as atividades empresariais típicas das instituições financeiras, mas entendeu que tal discussão seria descabida no caso, porque “no caso em apreço, a disciplina normativa é aquela anterior ao advento da Emenda Constitucional nº 20/1998 e, portanto, o faturamento da empresa é a base de cálculo da contribuição social voltada a custear a seguridade social, o que não se altera em função do objeto social ou da atividade econômica desempenhada por determinado contribuinte”.
Afirmou que msmo após o julgamento dos REs 357. 950, 390.840, 358.273 e 346.084, em 18/05/2005, teriam restado dúvidas a respeito da base de cálculo de PIS/COFINS das instituições financeiras, tendo sido inclusive publicados atos normativos da Receita Federal do Brasil e PGFN (Nota Técnica COSIT 21/2006 e Parecer PGFN/CAT 2.773/2007) a respeito do tema. Também as modificações legislativas promovidas pela Lei 11.941/2009 (que revogou expressamente o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98) e pela Lei 12.973/2014 (que alterou o DL 1.598/1977) teriam adicionado complexidade à discussão. Pela redação do art. 2º da Lei 12.973/2014, passou-se a base das contribuições passou a ser definida como a receita bruta, que seria, nos termos da lei: (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de conta alheia; e (iv) as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nas hipóteses anteriores.
Dado o contexto, levantou discussão sobre se os REs 357.950, nº 390.840, nº 358.273 e nº 346.084 de fato teriam assentado que o conceito de faturamento é aquele inerente à exploração das "atividades típicas" do objeto social da empresa, como entendeu o Acórdão CSRF nº 9303002.934, ou simplesmente aquela receita decorrente da venda de mercadorias e da prestação de serviços ou da combinação de ambos. Questionou, ainda, se o conceito de faturamento a ser aplicado no período de apuração de maio de 2000 – data da ocorrência dos fatos – poderia ser considerado o mesmo do atual – dada toda a modificação do direito positivo ocorrida no período a respeito da definição de faturamento e receita bruta.
Quanto à natureza jurídica das receitas de JCP, lembrou que, apesar de não haver consenso doutrinário a respeito de sua delimitação, o STJ, em acórdão de 2007, entendeu que os JCP teriam natureza de receita financeira para a pessoa recebedora, e não de lucro ou dividendo (REsp 921.269/RS, DJe 14/06/2007). Mas sustentou que essas receitas definitivamente não seriam contraprestação pela prestação de serviços.
Avaliou que no caso concreto, a empresa incorporada pela recorrente realizara recolhimento de COFINS sobre receitas de JCP que, em sua visão, consistiriam em receitas financeiras e, ainda, que os fatos geradores ocorreram antes da edição da EC 20/1998, de modo que a contribuição incidiria sobre o faturamento e que a delimitação deste é independente do objeto social ou da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte, o que tornaria, a seu ver, impertinente se cogitar a respeito de grandezas econômicas relacionadas à atividade típica, a atividade principal ou a atividade predominante da pessoa jurídica tributada.
O Conselheiro afirmou, por fim, que apenas após o início da vigência da Lei 12.973/2014 a base de cálculo das contribuições passou a estar vinculada ao exercício da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica. Desse modo, seria descabida a discussão a respeito de as receitas de juros sobre o capital próprio integrarem ou não as atividades típicas da contribuinte no caso concreto.
Em sua visão, a relevância da discussão estaria em avaliar se as receitas de JCP decorreriam de receita de venda de mercadorias e serviços, pressupostos de incidência da Contribuição à época dos fatos. E partindo desta premissa – distinta da do voto vencedor – afirmou que as receitas decorrentes da inversão de seu capital próprio não decorrem da prestação de serviço na acepção técnica do termo, de modo que não se poderia falar em atividades de intermediação financeira.
E, por esta razão, não poderia haver, também em sua perspectiva, incidência de COFINS sobre receitas de JCP.
5. Conclusão
A reafirmação da incidência de PIS/COFINS apenas sobre atividades típicas e operacionais das empresas pelo CARF contribui, por si mesma, para a relevância da decisão proferida pelo Conselho neste ano.
Merece destaque também, a discussão trazida pelo voto do Conselheiro Leonardo Ogassawara de Araújo Branco. A análise de incidência de tributos incidentes sobre a receita deve sempre ser acompanhada de avaliação da definição da base de incidência no momento de ocorrência dos fatos tributados.
Dadas as diversas modificações normativas ocorridas no direito positivo desde a instituição da Contribuição ao PIS/Pasep em 1970, bem como das discussões nos tribunais superiores levantadas desde então, a base de cálculo dessas contribuições – se faturamento, se receita bruta e a definição dada pelo próprio Direito para cada uma delas – é tema a ser avaliado conforme a época da ocorrência dos fatos, sob pena de se admitir a retroação de dispositivos a datas anteriores à sua vigência.
[1] Seriam elas as decorrentes de: operações de crédito, arrendamento mercantil, câmbio, aplicações interfinanceiras de liquidez, tículos e valores mobiliários e instrumentos financeiros derivativos, prestação de serviços, de participações e outras receitas operacionais.
[2] RE nº 346.084/PR, Rel. orig. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 1º.9.2006; REs n os 357.950/RS,
358.273/RS e 390.840/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 15.8.2006.
[3] Revogado pela Lei 11.941/2009.
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